segunda-feira, 12 de abril de 2010

Rio de Janeiro em Luto

Em razão dos lastimáveis, tristes e dolorosos, incidentes que se abateram sobre a cidade do Rio de Janeiro, senti-me absolutamente incapacitado de postar qualquer novo material. A inquestionável previsibilidade dos eventos, torna imperiosa a necessidade de manifestar minha profunda indignação e revolta.

Ao longo desses mais de 70 anos, nossos administradores Municipais e Estaduais, impelidos por interesses inconfessáveis e eleitoreiros, simplesmente fecharam seus olhos e cruzaram seus braços a uma série de problemas infra-estruturais inerentes aos grandes centros urbanos e inquestionavelmente agravados pela topografia do Rio de Janeiro. Ao longo desses anos, os problemas  avolumaram-se, assumindo dimensões alarmantes e de soluções infinitamente mais complexas e onerosas, por conta da abjeta inércia da administrativa pública que ainda perdura.

Infelizmente, ao custo de centenas de vidas, um desses problemas “emergiu” com fúria indomável e inclemente. Não me refiro aqui ao desproporcional fenômeno climático que se abateu sobre o Rio de Janeiro desde 05/04/2010, soterrando centenas de vidas, extinguindo sonhos e dilacerando famílias. Esse evento climático, por sua própria natureza é natural, previsível e inelutável, não podendo ou cabendo aos administradores públicos, o direito de subestimarem sua inexorável existência e força. Refiro-me especificamente ao problema da  desordenada e não criteriosa fiscalização na ocupação do solo urbano.

Vergonhosamente assisti alguns homens públicos, singelamente tentarem esconder a contumaz omissão e descaso das administrações públicas (passadas e atuais), escudando-se na implacável força e dimensão das chuvas, na pueril expectativa de atenuarem suas intransferíveis responsabilidades.

Lastimavelmente também pude constatar, que nos momentos de crise, uma grande parcela de “nossos representantes”, limitou-se a apontar seus dedos imundos uns contra os outros. Alguns chegaram ao atrevimento e a desfaçatez de insinuarem, que a responsabilidade pela tragédia, caberia exclusivamente, ou em grande parte, as próprias vítimas que optaram, voluntariamente pela ocupação de áreas de encostas, notoriamente inadequadas à construção de habitações. Outros, ainda com maior atrevimento, desfaçatez e irresponsabilidade moral, alegaram desconhecer das áreas de risco e utilizando-se de uma analogia frágil, quase demencial (possivelmente por ainda encontrar-se sob efeito de substâncias tóxicas), comparava a tragédia do "Bumba" a forças da natureza como os terremotos, tsunamis e outras sandices, na vã expectativa de eximir-se de suas responsabilidades.

Dessa extenuante, lamentável, medíocre e intolerável representação dramática, promovida pelos homens públicos, com base num passado não muito recente, concluo que muito pouco será efetivamente realizado. Não guardo qualquer esperança de ver implantada uma política séria de longo prazo, destinada a uma melhor e racional ocupação do solo urbano, acompanhada de todas as obras infra-estruturais (principalmente transporte público barato e de qualidade) fundamentais ao sucesso dessa empreitada. Bastará que os veículos de comunicação encerrem o "problema" com a divulgação do número oficial de óbitos, para que "todo" o ocorrido, seja então "esquecido" ou definitivamente "enterrado" até que outra tragédia venha a abater-se sobre nossa cidade.  

Aqueles que conhecem o Rio de Janeiro, ainda que parcialmente, sabem que sua topografia basicamente resume-se em pequenas faixas de terra cercadas por morros, rios, lagoas e mares (caso da zona sul). Com uma configuração geográfica como esta, o elevado valor imobiliário do solo aproveitável e o ineficiente, sofrível e caro transporte coletivo, resta ao cidadão economicamente menos favorecido, apenas uma alternativa, que é a ocupação das perigosas áreas de encosta próximas aos centros urbanos, onde se centralizam os empregos e os parcos,  precários e ineficientes serviços públicos básicos (hospitais, escolas e etc.). Não reconhecer, acatar e compreender essa realidade é tão absurdo e intolerável quanto acreditar no geocentrismo.

Não irei aqui negar que o catastrófico volume pluviométrico foi um dos fatores que muito contribuiu para o caos que se instalou por todo o Rio de Janeiro, agravado por uma considerável parcela da população, que não colabora com o serviço de limpeza pública, no momento do descarte de seu lixo.  Mas também não há como negar, que muitas obras de manutenção e conservação simplesmente foram “esquecidas”, postergadas ou mal realizadas, conspirando contra toda a população do Rio de Janeiro. Se até os cidadãos comuns, Cariocas e Fluminenses, sabem que ao término do verão, invariavelmente a cidade é alvo de intensas chuvas e com elas ocorrem as já esperadas enchentes e deslizamentos, como justificar a notória apatia de nossas “doutas autoridades”?

A catástrofe do morro do “Bumba” é o exemplo mais evidente da criminosa inoperância e apatia que se apoderou de boa parte da administração pública do Rio de Janeiro, ao longo desses anos.

De nada adianta, agora buscar, quem por ação ou omissão, criminosamente permitiu que a população se instalasse sobre um lixão, muito menos tentar localizar quem foi o responsável pela instalação do lixão na encosta ou argumentar se foram ou não realizadas obras de urbanização numa área imprestável a sua ocupação. Essa linha de conduta não passa de uma débil tentativa de encobrir a responsabilidade pública, conferindo um “rosto” (privado) ao verdadeiro criminoso, que em última instância, sempre foi e sempre será, o Poder Público, que tem a obrigação e o dever legal de zelar pela integridade física e bem estar daqueles que o mantém, com seus impostos, seus votos, seu trabalho e até então, com inesgotável condescendência.

Para finalizar, embora, ainda falte muito a ser abordado, principalmente no que se refere à indiferença, ausência de compromisso e energia moral,  inatividade, desinteresse,  indolência, dentre muitas outras desqualificações, restou, desse triste e lamentável evento, uma única questão digna de valor a ser evidenciada. Refiro-me a exemplar, corajosa, disciplinada e incansável atuação da digníssima corporação dos Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, dos médicos, dos Agentes da Defesa Civil, dos Policiais Militares e dos inúmeros e anônimos cidadãos do Rio de Janeiro, que com verdadeiro espírito de solidariedade e cingidos pelo mais puro e profundo amor ao próximo e humanismo, dedicaram-se à prática de atos verdadeiramente heróicos, comoventes e abnegados, visando atender, da melhor forma possível, à urgência que exigia a situação.

Parabéns! Bravos profissionais e cidadãos anônimos do Rio de Janeiro, vocês representam o que há de melhor no povo brasileiro.